sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Oração do agradecimento

É maravilhoso, Senhor, ter braços perfeitos quando há tantos mutilados.
Meus olhos perfeitos, quando há tantos sem luz.
Minha voz que canta, quando tantas emudeceram.
Minhas mãos que trabalham, quando tantas mendigam.
Voltar para casa, quando há tantos desabrigados.
Ter comida quando há tantos com fome.
Ter um lugar confortável para dormir quando muitos dormem nas  ruas.
É maravilhoso ter um Deus para crer, quando há tantos sem o consolo de uma crença.
É maravilhoso, Senhor, ter tão pouco a pedir e tanto para agradecer.

                                                   Amém!




Ela e ele

Certas noites ela pensava nele, certas noites ele pensava nela e certas noites isso acontecia ao mesmo tempo, sendo assim, ambos já estavam ligados, e ainda que não soubessem disso estavam conectados por algo maior do que imaginavam, o amor.
Ele era solitário, porém esperançoso e quase toda noite sonhava que estava pedindo-a em casamento, nos sonhos, era nitida sua imagem que a cortejava enquanto ela sorria com a felicidade transbordando pelos olhos e sem saber o que dizer apanhava a aliança gentilmente. Todos os dias ele buscava a coragem para ir atrás dela e pedí-la em casamento como nos sonhos, porém um enorme medo sempre o impedia.
Ela, era triste e tinha fixa a ideia de que sua vida não valia muito à pena, um dia foi até a linha de trem, e parada descalça em cima dos trilhos esperava sem preocupação o trem que viria rapidamente lhe tirar a vida, então viu ao longe um trem se aproximando, correndo por cima dos trilhos e apitando, e já quase podia sentir sua alma partindo, então ela fechou os olhos e sentiu o vento se aproximar cada vez mais forte à frente do trem, bagunçando seu cabelo e incomodando suas vestes. Dizem que quando estamos perto de morrer toda nossa vida passa como um filme diante dos olhos, mas a vida que passou diante dos olhos dela alí, foi a dele, então ela abriu os olhos, viu aquela grande luz se aproximando e pulou para o lado, fugindo da morte, caiu sobre algumas pedras e a terra que cobria a estrada em volta, se machucou um pouco, mas ao se levantar caminhou para casa e tentou entender o que tinha acontecido. Quando chegou na frente de sua casa, o dia estava quase amanhecendo e ela se deparou com ele que estava dormindo bem em cima de sua calçada, sentado e com a cabeça encostada na porta da casa, ela o acordou, ele então voltou à sua postura devagar, sorriu, ajoelhou-se e disse:
- Eu passei a noite toda aqui na sua porta, te esperando, acabei adormecendo mas aí está você... Gostaria de se casar comigo?
Naquele dia a vida dela que não tinha mais sentido até então, voltou a ter todo o sentido do mundo, e ele teve a coragem de que tanto precisava para salvá-la, e bem a tempo.


O destino de Celantine

No meio do século III A.C, Roma já era uma força militar e dominava toda a península itálica, seja por meio de guerras ou por alianças com outros grupos, dentre os quais as cidades gregas na península, tendo Tarento como a mais importante, que após o fracasso da invasão de Pirro se rendeu a Roma.
   Catargo era uma potência comercial e marítima no Mediterrâneo, com portos no norte da África, península Ibérica e na Sicília. Catargo possuía uma inimizade histórica com Siracusa, cidade grega situada ao leste da ilha Sicília, tendo ambas pretensões de dominar a ilha.
   Catargo e Roma eram aliados comerciais e tinham inclusive combatido juntos contra Pirro, pouco mais de uma década antes do inicio da primeira guerra púnica.
   E foi no meio de todo esse conflito que cresceram as irmãs Abadir e Celantine, as moças moravam na região central da tão disputada ilha Sicília que era um lugar simples mas sua beleza era histórica e atraía turistas dos dois lados da ilha.
   A bela Abadir era a irmã mais velha e estava prometida a Gaius, um tirano de Roma que tinha fortes influências e poderia facilmente convencer os comandantes de Catargo a desistir da posse da Ilha pondo fim então a eminente guerra que seguia-se com força e sem que nenhum dos lados recuasse, e Celantine era pouco mais jovem que Abadir e sua ingênua mente era dominada por tolas, fortes e intensas ideias de romance.
  O casamento de Gaius e Abadir fora planejado pelos pais da jovem juntamente com o próprio noivo, Gaius visava a beleza da jovem para poder exibir ao seu lado e despertar a inveja de todos os outros homens da região e das proximidades e para se casar com ela concordou em dialogar com os líderes Catargos e pôr fim a guerra, e os pais da jovem concordaram em oferecer sua filha pois acharam que a felicidade de Abadir era um preço baixo a ser pago comparado a paz que teriam como moeda de troca. Abadir embora não estivesse apaixonada aceitou a oferta de bom grado e contentou-se pois sabia que com o casamento marcado a guerra teria fim e a ilha toda poderia viver sem medo, a única a não concordar com o trato era Celantine pois sabia que sua irmã seria infeliz em um casamento sem amor.
  Abadir e Celantine gostavam de passear pela ilha e fazer compras, em um desses passeios as jovens conheceram um feirante que vinha do leste da ilha para vender mercadorias de sua região, o belo e másculo Maffeo. Com o tempo as compras de Abadir e Celantine com o Jovem Maffeo foram crescendo e com elas o interesse de ambas irmãs pelo rapaz.
  Outro dia ia terminando e no horário do toque de recolher quando as irmãs iam se deitar, Celantine notou Abadir muito pensativa e com o coração distante:
  - Que te afliges irmã? - Perguntou.
  Abadir aproximou-se da irmã e cochichou em seu ouvido:
  - Penso estar apaixonada por Maffeo.
  Celantine que também guardava sentimentos pelo rapaz deu um sorriso sem graça e perguntou:
  - Acreditas que ele sente por ti igual amor?
  - Ontem quando fui comprar verduras para nossa mãe no fim da tarde, Maffeo seguiu-me e entregou-me uma rosa, logo depois comparou minha beleza à beleza dela. - Respondeu Abadir, radiante.
  Celantine ainda sem graça, fez nova pergunta:
  - Mas o que pensas fazer a respeito de teu casamento com o romano?
  Abadir então respondeu:
  - Se Maffeo amar-me como o amo, não irá mais haver casamento.
  Celantine lembrou-se então de quando foi à feira sozinha pela tarde, de Maffeo perguntar-lhe sobre sua irmã e do grande interesse que ele mostrou, contudo, ela não disse palavra e mesmo com o coração apertado, resolveu dormir.
  Na noite seguinte após o toque de recolher, Maffeo invadiu o jardim da casa e jogou pedrinhas na janela do quarto onde dormiam as irmãs, Celantine acordou e foi à janela:
  - Olá Celantine, chame Abadir para mim por gentileza? - Pediu o rapaz.
  Da janela, Celantine viu a irmã dormindo e por instantes ficou divida entre o que deveria fazer que era chamar sua irmã e o que seu coração lhe pedia para fazer que era dizer a Maffeo para ir embora. A jovem respirou fundo, engoliu seu nó na garganta e chamou a irmã que após pouca conversa pulou a janela e saiu com Maffeo. Celantine então trancou a porta do quarto para que não notassem a falta da irmã, deitou-se e não pode dormir, foi naquela noite que Celantine aprendeu uma coisa a mais sobre o amor, era mais difícil dormir quando os olhos estivessem ocupados molhando os travesseiros e o coração estivesse partido demais para permitir o sono.
  Logo que o dia amanheceu, pouco depois que Celantine conseguiu pegar no sono, ela foi acordada pela irmã que havia voltado e estava feliz querendo lhe contar que estava vivendo um romance, Celantine estava mais calma pois já havia chorado durante toda a noite e já desconfiava que Abadir e Maffeo viveriam uma história de amor e mesmo com o coração em pedaços, a jovem sentou-se na cama e deixou que sua irmã falasse.
  Após algumas noites já havia se tornado rotina que Maffeo fosse buscar Abadir e eles passassem toda a noite juntos até verem o sol nascer enquanto Celantine os dava cobertura e lutava contra o desejo que seu coração sentia de entregar o segredo de Abadir aos pais.
  Certa manhã Abadir e Maffeo dormiram embaixo de uma árvore e a moça esqueceu-se da hora de voltar para casa, quando o sol nasceu e Abadir não apareceu, Celantine começou a ficar preocupada então levantou-se e foi olhar da janela se via sua irmã chegando, mas quem viu aproximar-se da casa era Gaius, o noivo romano de Abadir que vinha para tomar o café da manhã com a família da noiva, Celantine então ficou dividida entre descer à porta e contar a todos a verdade ou pensar em algo que pudesse ajudar a irmã e antes mesmo que ela tivesse tempo de decidir o que faria, viu o pai recepcionar Gaius na frente da casa e juntos viu-os entrar, logo escutou a mãe bater à porta do quarto:
  - Abadir, desça imediatamente, seu noivo está aqui e deseja vê-la.- chamou a mãe.
  - Abadir desce daqui 10 minutos mamãe, ela estava dormindo e terá que se arrumar para o noivo. - Respondeu Celantine.
  - Está certo, se arrume também Celantine, quero que esteja elegante na frente de seu futuro cunhado, não demorem! - Ordenou a mãe.
  Assim que escutou a mãe se afastar da porta, Celantine mais do que de pressa pulou a janela e foi até onde a irmã disse que ficava à noite com Maffeo, acordou-os e disse à irmã o que estava acontecendo na casa, as duas voltaram correndo, entraram novamente pela janela, arrumaram-se de qualquer jeito e desceram:
  - Demoraram demais! - Reclamou o pai das moças.
  - Não há motivo para sermão, entendo o motivo da demora, Abadir quis ficar perfeita para a refeição comigo. - Interferiu Gaius.
   Após a refeição, Abadir disse à Celantine que contaria aos pais que não queria mais casar-se com Gaius, Celantine trancou-se no quarto e rezou três terços pela irmã, que logo depois subiu as escadas correndo e bateu com força na porta, ao abrir a porta Celantine viu o rosto da irmã que estava chorando todo borrado de maquiagem e os cabelos despenteados, Abadir entrou e as irmãs trancaram a porta:
  - Qual o problema minha irmã? - Perguntou Celantine.
  - Maffeo mora do lado leste da ilha, sabe o que isso significa? - Perguntou Abadir, soluçando.
  Celantine parou para pensar uns minutos e depois entrou em choque:
  - Ai meu Deus... Maffeo vive em Siracusa.
  Siracusa estava em guerra com Catargo pela Ilha de Sicília e Roma era aliada de Catargo, o que significava que se Abadir não se casasse com Gaius, todo o povo da Ilha de Sicília iria ser escravo de Catargo e Roma iniciaria uma guerra pessoal com Siracusa.
  Celantine abraçou a irmã e deu à ela todo o seu apoio e quando Abadir disse que desistiria de Maffeo para se casar com Gaius o coração de Celantine pesou mas ela não disse.
  Naquela noite quando Maffeo apareceu no jardim, Abadir desceu para terminar o romance e explicar a Maffeo que não poderia mais desistir do casamento com Gaius, Celantine ficou observando a cena pela janela do quarto e viu o sofrimento de ambos dando aquele último beijo de despedida e então ela chorou vendo aquele amor todo o qual ela sempre acreditou que existia no mundo, acabar daquela maneira, foi nesse momento que ela começou a tirar todas as roupas de Abadir do armário e jogar na cama, Abadir que voltava do jardim pela janela chorando lhe perguntou porque ela estava fazendo aquilo:
  - Você vai fugir com Maffeo e isso não é uma opção, é um dever. - Respondeu Celantine.
  - E o que eu faço com todo o resto? - Perguntou Abadir.
  - O que você está fazendo com a sua vida? não importa o resto, o que você e Maffeo têm é o que eu queria ter e eu daria tudo por isso, então não posso deixá-los destruir o amor em nome da paz, porque vocês dois nunca vão viver em paz se fizerem isso, vai ser inútil, em suas vidas sempre vão saber que o outro existe e que está em algum lugar, vão pensar em como seria se tivesse acontecido diferente e vão ter que aprender a conviver com o que estão fazendo, então você vai levantar agora e vai atrás dele, enquanto isso eu vou terminar as suas malas. - Disse-lhe Celantine.
    Abadir então sorriu e pulou a janela para ir atrás de sua felicidade enquanto Celantine enterrava a dela junto com as roupas de Abadir nas malas.
    Na manhã que antecedia o dia do casamento de Abadir e Gaius, Abadir fugiu para bem longe com Maffeo e Celantine deu cobertura aos dois até o fim da tarde que foi quando contou aos pais que Abadir havia fugido de casa.
    Gaius foi largado no altar e jurou vingar-se em todo o povo de Siracusa e ajudar em conselho os Catargos a escravizarem o povo da Ilha Sicília, Gaius foi à casa da família de Celantine para avisar-lhes do destino cruel que os aguardava, ele derrubou a porta e entrou na casa cheio de ódio em seu peito e quando ia começar a falar, reparou na bela jovem sentada tocando piano que parecia pouco se importar com seu destino, ele então aproximou-se dos pais e perguntou:
    - A jovem a tocar piano também é filha vossa?
    - Sou. - respondeu Celantine antes que os pais pudessem dizer qualquer coisa.
    - Nunca havia reparado na irmã de Abadir, é adorável. - Comentou Gaius.
    - Se for de seu interesse, ofereço ao senhor minha própria mão em casamento, se a guerra acabar, é claro. Dou-lhe minha palavra.- Ofertou Celantine.
    Gaius pensou por alguns segundos e depois sorriu, concordando com a oferta.
    Gaius se casaria pela beleza de Celantine que era tão intensa quanto a de Abadir e também serviria para exibir aos outros, e porque para ele casar com a irmã daquela com quem ele iria casar-se era de alguma forma um meio de mostrar-se superior diante das pessoas e ser compensado após ser abandonado no altar, e Celantine se casaria não apenas pelo fim da guerra ou pela paz, se casaria para dar a um homem um motivo pelo qual não guerrear, um motivo pelo qual viver em paz, o que para ela era um bom motivo para casar.
    Celantine e Gaius tinham a mágoa e a rejeição a compartilhar e tinham em comum a falta do amor, não se amavam, mas juntos iriam compartilhar e aprender muito sobre amor.
    No dia do casamento, Celantine sorriu e esteve feliz, pois sabia que estava destinada a ser de Gaius e aceitava isso, mesmo que não o amasse.
    Existem pessoas que nasceram pela metade, destinadas à outras, e existem pessoas como Celantine, que nasceram sós e destinadas a uní-las.